Vídeo: esperanza spalding
Surge uma Esperanza na música americana
Em seu segundo disco, "Esperanza" (Concord/Universal), a moça de 24 anos soa íntima do idioma de Camões e da MPB ao interpretar no original "Ponta de Areia" e "Samba em Prelúdio". No início desta entrevista, por telefone, de Nova York, Esperanza Spalding mostra também ter algum domínio da língua, quando, para quebrar o gelo, o repórter pergunta: "Podemos falar em português?". "Sim, mas talvez eu não consiga entender tudo", responde, quase sem sotaque, a americana Esperanza Spalding, que, em fins de outubro, participará do Tim Festival, com apresentações agendadas no Rio e em São Paulo.
De volta ao inglês e ao repertório de seu disco, a composição de Milton Nascimento e Fernando Brant abre o CD, enquanto a de Baden Powell e Vinicius de Moraes serve de fecho. No recheio desse sanduíche com pão brasileiro estão temas jazzísticos escritos pela própria cantora e uma versão em espanhol para o standard "Body and Soul" (Green, Heyman e Sour).
Na verdade, como ela explica, trata-se de uma tradução literal. "Queríamos fazer uma versão para o espanhol, mas a editora dessa música não permitiu, exigindo que fôssemos fiéis à letra em inglês", revela Esperanza, contando também como chegou aos dois clássicos brasileiros. "Ambos têm fortes melodias, que me encantaram assim que as ouvi. 'Ponta de Areia' eu conheci no disco 'Native Dancer', de Wayne Shorter, com participação de Milton. Sempre que canto essa música, as pessoas gostam, mesmo sem entender a letra. 'Samba em Prelúdio' estava num disco que ganhei de um amigo e foi a música de que mais gostei."
A paixão pela música brasileira se reflete em suas composições. Como "I Know You Know", que remete ao samba-jazz do Beco das Garrafas: "É engraçado porque cada um que ouve essa canção tem uma impressão diferente. Esse é, na verdade, um dos encantos da música, que depende de quem a ouve. Estive fazendo um show em Washington e após sair do palco algumas pessoas vieram me dizer que tinham adorado 'I Know You Know', que era muito funky. Dias depois, em outra cidade, vieram me dizer que era uma grande canção r b. E já me disseram também que ela soava brasileira. Sim, definitivamente, no meu entender o groove é brasileiro."
Estréia
Em seu álbum de estréia, em 2006, "Junjo", Esperanza já tinha incluído outra composição brasileira, "Loro", de Egberto Gismonti. No início daquele ano, ela também esteve no Brasil pela primeira vez, abrindo o show do pianista cubano Roberto Fonseca.
Agora, para suas apresentações no festival, a contrabaixista voltará acompanhada por dois músicos que gravaram seu segundo CD, o pianista Leo Genovese e o baterista Otis Brown, e ainda o violonista e compositor paulistano Chico Pinheiro: "Chico é um fenômeno, estou muito feliz de poder tocar com ele no Brasil", diz ela. O show ainda toma forma. "Vou tocar violão e guitarra, mas ainda não foi definido repertório", diz Pinheiro.
Nascida em Portland, no Estado do Oregon, filha de uma mãe solteira que "fez de tudo um pouco para sobreviver", Esperanza despertou cedo para a música: aos 4 anos, após ver o violoncelista Yo-Yo Ma num programa infantil de TV. Um ano depois, a menina já tocava violino, que estudou até os 15 anos, quando assumiu o posto de primeira violinista de uma orquestra comunitária em sua cidade, The Chamber Music Society of Oregon.
Mas, à essa altura, a adolescente já andava encantada pelo contrabaixo, pelo jazz e, sem preconceitos, também passou a tocar hip-hop, funk, blues e rock no circuito de clubes de Portland.
"Tocar baixo acústico já é um caminho natural para o jazz, mas eu nunca me prendi a um estilo", conta ela, que também explica como ganhou um nome espanhol. "Minha mãe nasceu na Califórnia e viveu alguns anos no México. Antes de eu nascer, ela já queria esse nome, Hope (Esperança), e, como em espanhol é uma palavra feminina, decidiu-se por Esperanza."
Cantora tocou com feras do jazz nos Estados Unidos
Depois de passar pela escola de música de Berklee, a jovem Esperanza caiu na vida, tocando com artistas do jazz como Patti Austin ("Foi o meu trabalho em Nova York"), Joe Lovano, Michel Camilo, Regina Carter, Pat Metheny, David Samuels e Donald Harrison. Antes dos shows brasileiros, Esperanza tem muito mais trabalho pela frente. Esta semana, ela iniciou uma turnê européia que passará por países como Espanha, Dinamarca, Alemanha, Finlândia, Suécia... Tem sido tudo muito rápido, mas ela não se abala: "Não tenho medo. O reconhecimento ao meu trabalho faz eu me dedicar ainda mais. Sim, tenho noção da responsabilidade, mas é o que procuro, portanto, não me assusto."
Ouça
Esperanza Spalding
"Esperanza"
Gravadora. Concord/Universal. 12 faixas
Quanto: R$ 29, em média
Antônio Carlos Miguel - Rio de Janeiro, em A Gazeta