terça-feira, 22 de abril de 2008

Adriana Calcanhoto no balanço das ondas

Vídeo: Inverno - Show "Público"


Novo balanço

Quando o baiano Dorival Caymmi fala do mar em suas músicas, utiliza quase sempre o sentimento de personagens como pescadores e Iemanjá para descrever as características do ambiente praiano. Em seu mais recente álbum, "Maré", a gaúcha Adriana Calcanhotto percorre um outro caminho para retratar essas sensações. Mesmo tendo escolhido "Sargaço Mar", de Caymmi, para fechar o disco, a cantora faz uso da própria emoção para contar aquilo que ela considera uma de suas maiores paixões, as águas.

"Estou lidando com o mar mais como uma metáfora. Ele está ficando mais importante para mim, por conta dos autores, da literatura... eu tenho relação direta com o mar, gosto de estar perto dele, de mergulhar, de sair de caiaque...", comenta Adriana, em entrevista

Segundo a cantora, chegar a esse tema novamente em um disco – o álbum "Marítimo" (1998) também fala da relação da compositora com o oceano – foi um processo que apareceu durante a escolha das músicas. "Eu tinha um bloco de 20 canções e percebi que a maioria, de alguma forma, falava do ambiente marítimo", comenta.

Escolhas

Para contar seus próprios sentimentos em relação à temática, Adriana Calcanhotto utilizou-se do choque de gerações entre os compositores escolhidos. Se, por um lado, ela regrava músicas de Caetano Veloso com Ferreira Gullar, Waly Salomão, Caymmi, Arnaldo Antunes e Marina Lima, por outro, ela mergulha de cabeça nas criações de novatos como Moreno Veloso, Kassin e Torquato Neto. "Isso é tranqüilo, porque, na verdade, eu escolho canções e não pessoas. As pessoas eu escolho para tocar. E, por causa dessas canções, eu juntei essas pessoas que dificilmente andam juntas", afirma.

Sobre os músicos desta nova geração que atuam no álbum, ela afirma que gosta da inventividade que eles agregam. "Eles nunca aparecem com coisas óbvias. Como são autores, se relacionam com as canções em um modo de apropriação, assim como eu. Isso é uma real parceria".

Um exemplo disso é a música "Porto Alegre". Nessa homenagem à cidade natal da cantora, o compositor Péricles Cavalcanti utilizou-se do sensual ritmo caribenho do calipso – que nada tem a ver com a banda liderada por Joelma, sucesso de massa no Brasil. "Essa música não me arrebatou em um primeiro momento, como uma outra que acabou não entrando. O que me fez gravá-la foi o arranjo do Kassin. A guitarrada dele casou com as minhas idéias polirrítmicas. O baixo e a bateria me conquistaram, assim como a poderosa conga que o Moreno gravou".

Transição

Por conta de tanto cuidado com o novo disco, Adriana mostra-se, de certo modo, chateada com o fato de o álbum ter vazado na internet antes de seu lançamento oficial no Brasil. "Isso é um pouco invasivo, assim como jornalistas que fazem uso disso e acabam dando informações erradas. E é isso o que tem acontecido. Estamos vivendo uma transição de formato, e está fora de controle de qualquer um. Além disso, a qualidade sonora é uma pena".

Talvez por conta das incertezas em relação aonde as correntezas podem levar o disco, Adriana tem se preocupado mais com a música do que com a indústria. "Sou a favor de ouvir música com qualidade", conclui.

ANÁLISE

A inspiração do oceano

Vitor Lopes
Jornalista

Quando Pedro Álvares Cabral se lançou ao mar para descobrir o Brasil, o navegador tinha o oceano como campo de incertezas, mas que poderia resultar em férteis resultados e ganhos para sua carreira. O mesmo acontece com Adriana Calcanhotto, que decidiu lançar "Maré" primeiro em Portugal para depois chegar ao Brasil. Cabral olhou para o mar e se sentiu desafiado. Adriana mirou o oceano e fez desse profundo mistério o redescobrimento da própria carreira, que aparece revigorada mesmo ao tratar de um tema tão comum nas artes brasileiras.

Se inúmeros artistas se acomodam em regravações de velhos chavões (e as comemorações dos 50 anos da bossa nova estão aí para mostrar isso), Adriana Calcanhotto, ao chamar novos músicos como Domenico Lancellotti, Kassin e Moreno Veloso, por exemplo, joga um sopro de originalidade em uma MPB cada vez mais acostumada a cultuar medalhões.

Como tem coragem de ousar, a cantora dança o caribenho ritmo do calipso, o argentino tango, relembra a sonoridade de "Partimpim", aprofunda suas composições e faz de "Maré" o melhor disco da sua carreira.

Ouça

Adriana Calcanhotto

CD “Maré”

Sony BMG 11 faixas

Quanto: R$ 26,90

Ouça na web

Faixas do disco no site www.gazetaonline.com.br/entretenimento

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