Rio de Janeiro
Já não seria desprezível que "Os Doces Bárbaros", 30 anos após chegar aos cinemas, saísse em DVD. Mas o diretor Jom Tob Azulay não quer seu filme visto ou revisto apenas como registro de um marco da época - o show que reuniu Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia em 1976.
"Esse caráter nostálgico seria prejudicial; hoje é um bom momento para reavaliar tudo. A crise não é só econômica, permite revisão de comportamento, da cultura voltada à acumulação. No filme, fala-se do desapego de valores materiais, do prazer na arte e no amor", diz Azulay, 67, que há quatro anos relançou o longa no cinema.
Ele comunga da idéia que diz ter ouvido do músico e escritor José Miguel Wisnik: "O tropicalismo nunca esteve tão vivo". O mundo globalizado, tecnológico e performático foi cantado por Caetano e Gil já nos anos 60. E a indústria cultural, ingrediente preponderante dessa geléia geral, está na origem de "Os Doces Bárbaros". "O show foi encomendado por uma gravadora multinacional, a Phonogram, para marcar os dez anos de carreira dos ?baianos?, como se dizia. Era uma iniciativa de caráter comercial", diz Azulay.
Regime militar
Mas também era a reunião, durante o regime militar, de artistas que não cantavam, não se vestiam, não se comportavam conforme os cânones oficiais. Como também não adotavam o perfil "artistas de protesto" desejado pela esquerda, ficavam fora de esquadro numa época em que tudo era enquadrado.
"Foi uma experiência traumática para os responsáveis por ela e para a cultura do país. A distensão do governo (de Ernesto) Geisel (1974-79) ainda não ocorria. O show surgiu quase anacronicamente, não havia espaço para ele. Por isso, foi tão mal interpretado", diz Azulay.
Parte da esquerda implicava com as roupas e coreografias estranhas e não via o sentido político de músicas como "O Seu Amor", "Um Índio" e "Fé Cega, Faca Amolada", além do tom libertário geral. A direita implicava com as mesmas coisas e ainda pôde comemorar a prisão de Gil, em Florianópolis, por porte de maconha.
Sem os cortes da época, o DVD traz um pouco mais do famoso julgamento de Gil, em que ele não consegue disfarçar o semblante irônico diante das falas do juiz - que chega a fazer um jogo de palavras com "abacateiro" - e de seu próprio advogado. Considerado "dependente químico", teve de ir para uma instituição psiquiátrica.
Nascido para ser um curto documentário de TV pago pela Phonogram, o registro ganhou, com a prisão de Gil, "aspectos dramáticos" e "dimensões de filme de ficção", como diz o diretor nos extras, em que há ainda quatro músicas e cenas de camarim. Azulay prepara agora um livro recontando e avaliando a saga de show e filme.
Veja
Os Doces Bárbaros
Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 45, em média
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