sábado, 6 de dezembro de 2008

Show de Os Doces Bárbaros continua atual, 30 anos depois


Luiz Fernando Vianna 
Rio de Janeiro

Já não seria desprezível que "Os Doces Bárbaros", 30 anos após chegar aos cinemas, saísse em DVD. Mas o diretor Jom Tob Azulay não quer seu filme visto ou revisto apenas como registro de um marco da época - o show que reuniu Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia em 1976.

"Esse caráter nostálgico seria prejudicial; hoje é um bom momento para reavaliar tudo. A crise não é só econômica, permite revisão de comportamento, da cultura voltada à acumulação. No filme, fala-se do desapego de valores materiais, do prazer na arte e no amor", diz Azulay, 67, que há quatro anos relançou o longa no cinema.

Ele comunga da idéia que diz ter ouvido do músico e escritor José Miguel Wisnik: "O tropicalismo nunca esteve tão vivo". O mundo globalizado, tecnológico e performático foi cantado por Caetano e Gil já nos anos 60. E a indústria cultural, ingrediente preponderante dessa geléia geral, está na origem de "Os Doces Bárbaros". "O show foi encomendado por uma gravadora multinacional, a Phonogram, para marcar os dez anos de carreira dos ?baianos?, como se dizia. Era uma iniciativa de caráter comercial", diz Azulay.

Regime militar 

Mas também era a reunião, durante o regime militar, de artistas que não cantavam, não se vestiam, não se comportavam conforme os cânones oficiais. Como também não adotavam o perfil "artistas de protesto" desejado pela esquerda, ficavam fora de esquadro numa época em que tudo era enquadrado.

"Foi uma experiência traumática para os responsáveis por ela e para a cultura do país. A distensão do governo (de Ernesto) Geisel (1974-79) ainda não ocorria. O show surgiu quase anacronicamente, não havia espaço para ele. Por isso, foi tão mal interpretado", diz Azulay.

Parte da esquerda implicava com as roupas e coreografias estranhas e não via o sentido político de músicas como "O Seu Amor", "Um Índio" e "Fé Cega, Faca Amolada", além do tom libertário geral. A direita implicava com as mesmas coisas e ainda pôde comemorar a prisão de Gil, em Florianópolis, por porte de maconha.

Sem os cortes da época, o DVD traz um pouco mais do famoso julgamento de Gil, em que ele não consegue disfarçar o semblante irônico diante das falas do juiz - que chega a fazer um jogo de palavras com "abacateiro" - e de seu próprio advogado. Considerado "dependente químico", teve de ir para uma instituição psiquiátrica.

Nascido para ser um curto documentário de TV pago pela Phonogram, o registro ganhou, com a prisão de Gil, "aspectos dramáticos" e "dimensões de filme de ficção", como diz o diretor nos extras, em que há ainda quatro músicas e cenas de camarim. Azulay prepara agora um livro recontando e avaliando a saga de show e filme.

Veja 

Os Doces Bárbaros 

Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 45, em média

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