São Paulo A primeira pergunta que as pessoas têm feito ao se deparar com "Amy Winehouse - Biografia", de Chas Newkey-Burden, é: mas já escreveram um livro sobre ela? Pois é. Nesses tempos velozes de estrelato instantâneo, em que até bicho de estimação de peruas tem comunidade na internet, por que não ela? Histórias para preencher as páginas não faltam se for contar a quantidade voraz de escândalos da cantora, envolvendo bebedeira, overdoses, shows interrompidos, brigas e tentativas de reconciliação ruidosas com o marido, Blake Fielder-Civil.
Em grande parte é disso que trata o livro lançado no Brasil pela Editora Globo, com tradução de Helena Londres. Acontece que, como na mídia, o imenso talento artístico de Amy como cantora e compositora – sem dúvida a figura feminina mais importante da música pop desta década – acaba perdendo no livro para a lavação de roupa suja.
De imediato, com tão pouco tempo de (fulminante) carreira artística, não poderia ser muito diferente, já que, como qualquer fã sabe, vida e obra de Amy se confundem. Seja nos dois álbuns - "Frank" (2003) e "Back to Black" (2006) - ou em canções avulsas, tudo o que ela canta com contundência foi bem vivido. Até aí, também, nenhuma novidade, e esse é um dos motivos pelos quais o livro a certa altura se torna cansativo. Fica a impressão de que Chas o escreveu às pressas, tão oportunista quanto os tablóides que critica.
O autor entrevistou o pai e a mãe da cantora, alguns jornalistas, pessoas do show biz e outras ligadas a ela, mas a biografia em grande parte reproduz notícias dos tablóides, compila frases de reportagens, enumera suas premiações e conta como armou o cabelão enxu de abelhas. Para quem gosta de fofoca das mais venenosas, há farto material pontuando a agonia das overdoses de Amy e o sofrimento pela separação do marido.
Desde o início do livro, aliás, sabe-se que Blake está preso. Porém, é só na página 179, no último capítulo antes do epílogo, que ele vai saber o motivo da detenção de Blake – ele está preso desde 2007 por agredir e ferir gravemente James King, proprietário de um pub. Dias antes do julgamento, Blake também foi acusado de obstruir a Justiça no caso da agressão.
Esse é só mais um caso de irritante falta de objetividade ao longo da biografia. Mas a culpa pelos entraves na leitura não cabe só ao autor. Há erros gritantes de tradução e revisão e deslizes de checagem de informação. Na página 96, por exemplo, há uma frase de péssima construção: "‘The Times' declarou: ‘Esse compacto, cheio de canções realmente antiquadas como grande souls, a exemplo dos Dinah Washington’..." Fora deixar passar coisas como "nazal" em vez de nasal, "Tears Dry on Their On", quando o correto é "Their Own", e "os Smith" no lugar de "The Smiths", entre vários outros equívocos.
Também é evidente a falta de intimidade da tradutora com o jargão musical. Não há fundamento em traduzir "jazz standards" ao pé da letra para "padrões do jazz". Mais: dois jazzmen, o baixista Charles Mingus (1922-1979) e o pianista Thelonious Monk (1917-1982), aparecem numa lista de "cantores". A tradutora ainda chama a lendária gravadora Motown de "o" Motown incontáveis vezes.
Entre as melhores partes há uma que detalha com bons comentários faixa por faixa os dois álbuns da cantora. Em outros trechos interessantes em que a música é o centro da questão, fala-se de suas influências do jazz, dos shows bem-sucedidos e as críticas favoráveis a suas atuações no palco e em gravações.
Um dos entrevistados que saem em sua defesa é a jornalista britânica Julie Burchill, que a compara a Edith Piaf (1915-1963), Judy Garland (1922-1969) e Billie Holiday (1915-1959), mulheres históricas, divindades da canção, com "grande talento para cantar" e "também uma grande capacidade para adotar um comportamento temerário".
Leia se tiver tempo
Chas Newkey-Burden
"Amy Winehouse - Biografia"
Editora Globo 208 páginas
tradução: Helena Londres
Quanto: R$ 19,90
Fonte: A Gazeta
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