"No ano de sua morte ele se expôs imensamente. Foi um período importante para a disseminação de seus pensamentos. Naquele momento, Raul cumpria o que disse Guimarães Rosa, num discurso para a Academia Brasileira de Letras: a gente morre pra provar que viveu", acredita o jornalista, professor e mestre em Estudos Literários Adolfo Oleare, que, ao lado de Maurício Abdalla, Wilson Coelho e Sérgio Amaral, participa de um debate-papo sobre Raul nesta sexta-feira, na Ufes.
Os 20 anos de morte de Raulzito serão marcados em todo o país com programação diversificada e lançamentos como o CD e DVD "20 Anos Sem Raul Seixas", que traz documentário e música inédita, "Gospel", censurada em 1974. Hoje, em Vitória, acontece show e defesa de dissertação sobre o artista. Em "Novo Aeon: Raul Seixas no Torvelinho de seu Tempo", Vitor Cei analisa o conceito proposto por Raul em um disco de mesmo nome, lançado em 1975. "Ele tomou como base os trabalhos do escritor ocultista britânico Aleister Crowley e criou o conceito de nova era. Na dissertação, eu faço uma análise das letras das canções e um contraponto com o trabalho dele na década de 80, quando abandona a ideia de sociedade alternativa", explica Vitor.
Para ele, Raul é fonte inesgotável de estudos. "Ele procurou fazer um trabalho único sem se regular por modismos ou tendências. Não se considerava enquadrado em estilo nenhum, misturava rock com ritmos do Nordeste e suas raízes baianas. Foi um toque de pensamento para a música popular. Na época tinha muito iê-iê-iê. Ele trouxe uma música mais crítica e questionandora", analisa.
Essa obra influenciou gerações, como o professor de Filosofia da Ufes Maurício Abdalla. "O fato de eu resolver estudar Filosofia está relacionado a ele. Marcou minha vida por causa das letras. A minha forma de ser hoje, minha vida intelectual, minha participação no meio acadêmico. Tenho essa cultura raulseixista: liberdade para viver sem máscara, sem pose", diz.
Abdalla lembra que, logo após a morte do compositor, muitas pessoas que não o conheciam se aproximaram. "Mas os fãs conhecem a obra além das músicas mais famosas, como 'Metamorfose Ambulante' ou 'Maluco Beleza'. O problema é que a maioria das pessoas não têm acesso não somente a Raul, mas a várias riquezas musicais do Brasil", lamenta.
Vocalista do grupo Bandolo, que finalmente vai realizar o pedido corriqueiro em shows, de "toca Raul" - Carlos Rabelo promete agradar a todos os tipos de fãs em show logo mais no Cochicho da Penha, na Rua da Lama. No repertório, "As Profecias", "Sessão das Dez", "Medo da Chuva" e por aí vai. "Aprendi a tocar por causa de Raul. Para nós, ele deixou a força das suas letras e a fusão musical", completa.
Análise
Adolfo Oleare- jornalista e professor
Inegavelmente, Raul tem uma obra que causa deslocamentos nas concepções mela-cueca do senso comum, de modo que ouvir as suas inquietações é algo instigante do ponto de vista intelectual e criativo. Vejo-o como um crítico da medíocre e acovardada moral de classe média, preponderante em nossa época e largamente professada pela cultura mercadológica da mídia, fundada na oferta de espetáculo e informação para consumo breve e cego. Raul expõe ao ridículo a extrema agressividade inscrita na morbidez, na falta de charme e no sono dogmático da caverna burguesa, fenômeno alastrado pelo mundo capitalista afora e amplamente estudado por filósofos, teólogos, cientistas sociais, psicanalistas. Assim, a exemplo de pensadores como Kafka, Benjamin e Nietzsche, Raul positiva o momento da desertificação contemporânea, da derrocada da tradição, como momento de instauração de uma nova era. O vislumbre de um novo tempo, o "Novo Aeon" (de aion, o tempo grego do instante criador), pode ser o maior legado de Raul para seus leitores/ouvintes brasileiros.
Fonte: A Gazeta
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