quarta-feira, 16 de abril de 2008

Charles Aznavour o artista que se recusa-se a ser enquadrado

Vídeo: She - Charles Aznavour - Legendado em Português.


Ao lado de Edith Piaf, ele foi quem melhor encarnou a canção francesa. Mas Charles Aznavour, aos 83 anos, recusa-se a ser enquadrado. Vibra com grupos vanguardistas franceses, vangloria-se de ter o último modelo de esteira ergométrica e diz que adora revelar aos amigos os segredos de saúde perfeita.

Durante a entrevista, ele tinha ao fundo um enorme pôster de Edith Piaf, a amiga que o lançou, e outro do Grand Corps Malade, ídolo do slam (um gênero de poesia popular). Aznavour já fez de tudo na vida. Além de compositor, atuou em 60 filmes. Ele se declara um homem feliz, mas sua vida não foi fácil: nasceu pobre, em Paris, filho de imigrantes armênios. O sucesso lhe abriu as portas para uma vida de milionário.

Hoje, vivendo na Suíça, ele se desfez de quase tudo o que tinha, não apenas para se livrar do fisco, mas porque diz que não precisa mais. Não lhe faltaram críticos ao longo da carreira, e ele não esconde uma certa mágoa. "Hoje digo: sou uma vaca sagrada. E ninguém me toca!"


O senhor tem mais de 60 anos de carreira...

De 1933 até hoje foram quantos anos, na sua opinião? Minha carreira começou no dia em que pus o pé no palco pela primeira vez: em 1933. Nunca mais parei de trabalhar.

Depois de tantos anos de sucesso, o senhor está mesmo pronto a se despedir?

Não preciso parar. É a vida que vai me fazer parar. É preciso ser fatalista e otimista ao mesmo tempo. Não sei se fatalismo e otimismo combinam. Mas, para mim, as duas coisas andam juntas.

Em 1998, o senhor foi eleito pelos leitores da revista "Time" o artista do século, ultrapassando até Elvis Presley e Bob Dylan. Que efeito têm essas honrarias?

Não querem dizer nada. Quando me anunciaram "você é o artista do século", eu disse: "Sabe, vou ser o artista do século durante um mês e meio". Não! Não se deve viver com isso. É muito ruim para um artista viver com base no que falam dele. É preciso viver com base no que se sabe fazer e no que se pode fazer a mais.


O senhor usou esse lema durante toda a sua carreira ?

Sou um operário. Não sou um intelectual. Sou um artesão e vou permanecer assim por toda a vida. Não me tornei nobre porque sou conhecido, nem me tornei intelectual por conta do sucesso. Eu me tornei o que deveria me tornar. Os artistas que deixam o sucesso subir à cabeça me dão pena. Porque um dia, isso cai. E a queda é ainda pior.


O senhor tem uma rotina como cantor?

Eu não sou cantor. Sou um criador de alguma coisa, sobretudo de texto. Escrevo todos os dias. E também jogo fora muito do que escrevo. Comecei a escrever outras coisas além de canções porque cheguei a um ponto em que compunha canções em excesso. Tenho 70 canções que nunca gravei. E continuo a escrever.

O que faz com isso, guarda numa gaveta?

Não, num computador! É preciso viver no ritmo dos tempos atuais. O que fiz? Um dia me perguntaram: "o senhor não quer escrever sua biografia ?" Eu pensei: não sei se sei escrever em prosa. Mas resolvi tentar. A editora Flamarion (uma das mais reputadas da França) me propôs imediatamente um contrato. E eu disse a eles: vamos fazer o contrato quando eu terminar o livro e quando eu julgar que escrevi bem. Levei dois anos e virou um best-seller com 250 mil exemplares vendidos. Depois, escrevi outro. E, como funcionou bem, pediram-me para escrever ainda outro.


O senhor se tornou, então, um escritor?

Sim, mas pela força das circunstâncias, não pelo talento. Sou um dos únicos na França a não ter usado um escritor-fantasma para escrever minha biografia. É agradável. É isso que eu digo: caminhar para a frente.


Em algum momento na sua carreira o senhor duvidou que chegaria onde está hoje?

Não. Nunca. Eu não tinha esse tipo de ambição (do estrelato). Tinha a ambição de ser bem-sucedido na minha vida. Tem gente que é bem-sucedida na vida, mas não na carreira. E outras que são bem-sucedidas na carreira, mas não na vida. Eu consegui ser bem-sucedido na minha vida também. E estou radiante com isso. Vou completar quase 40 anos de vida em comum com minha mulher, o que na minha profissão merece entrar para o "Guiness"!


Como o senhor vê hoje seus críticos do passado? Uma vez, o senhor escreveu assim: "Quais são os meus defeitos? Minha voz, meu tamanho, meus gestos, minha falta de cultura e de instrução, minha franqueza, minha falta de personalidade?"

Os meus críticos do passado, primeiro, não ficaram nos seus lugares. Depois, morreram. Não vou me revoltar hoje contra eles! E, ao me ver, hoje deveriam pensar: "Fui idiota!" Demoliram-me nos anos 1960, 70 e mesmo nos anos 80. Não importa. Há três anos, um jornalista me perguntou: "O que acha que a imprensa vai falar do senhor?" Eu respondi: "Vai falar bem, porque não tem como falar mal. Sou uma vaca sagrada!" E ninguém me toca. Mas, às vezes, quando estou num lugar onde há várias outras pessoas, citam todos, menos a mim. Não importa. Eu preservo minha vida, minha família. Estou tranqüilo. Sou popular no mundo e fui popularizado pelo mundo.

O senhor coleciona arte?

Sou um curioso. Tenho curiosidade pelas pessoas, pelas coisas, linguagens, religiões, passado e tudo o que se pode imaginar. Não há novidade o bastante no mundo para me satisfazer.

A maior parte de suas canções falam de amor? O senhor é um homem apaixonado?

Sim! Quando se vive com uma mulher, há amor. Não é só porque ela cozinha para mim. Não gosto que ela se ocupe de meus negócios. Então, se não é isso, é porque há outra coisa: amor. Voilà!


É verdade que um professor o desaconselhou a cantar?

Foi um médico. Tinha um problema nas cordas vocais, e ele me disse: "O senhor não pode cantar, vá fazer outra coisa". Foi no início dos anos 50. Então fui ver um professor de canto italiano, um tenor. Ele fez um desenho mostrando o caminho da voz e como utilizá-la, e me disse: "Se você entendeu, não precisa mais de mim". Continuei.

Durante anos o senhor ficou distante da Armênia, país de origem de seus pais. Mas depois dos massacres contra armênios, o senhor está cada vez mais engajado.
Não sou dos grupos que saem pelas ruas com cartazes para denunciar o genocídio contra os armênios. Mas falo sobre isso, até compus uma canção. Mas não falo do povo responsável pelo genocídio (a Turquia vem sendo pressionada, mas recusa-se a reconhecer o massacre). Eles sabem. Todo mundo sabe. Ajudo a Armênia porque ela precisa. Quando estava sob ocupação soviética, eu não tinha por que ajudar: os armênios tinham o que comer e beber. Mas hoje precisam de tudo. Eu ajudo através de uma associação que criei. Não confio em certos ministros, diretores, organizações não-governamentais...

Que lembranças o senhor tem do Brasil?

O que amo no Brasil é, claro, a música. É como um primeiro amor: não se esquece nunca. Na minha primeira viagem ao Brasil, descobri a bossa nova. Henri Salvador achava que ele tinha inventado a bossa nova. Ora, isso não é sério! Pensei: ele vai fazer as pessoas chorarem lá, por dizer uma besteira destas. Foi no fim dos anos 50. Tinha sido convidado por Madame Kubitschek (a primeira-dama do país, Sarah) para me apresentar numa pequena sala do Copacabana Palace. Conheci Jobim e toda a geração da época: João Gilberto... A França nunca criou um estilo musical. Antes da bossa nova, o que me embalava era o tango e o jazz.


O que o senhor espera da viagem ao Brasil?

Só felicidade! É o único lugar do mundo onde bebo café. Só gosto de beber café do Brasil, no Brasil!



Fonte: Jornal A Gazeta

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